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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A caneca



Para um olho qualquer este desenho não passará, apenas, de uma caneca mal desenhada.
Mas, para mim, este desenho é muito mais do que isso, pois esta caneca carrega em si um enorme peso. O peso do início de uma história, que ainda está longe de chegar a meio. O começo do nascimento do ‘eu artista’.
Recém-chegado ao ensino secundário e a entrar numa área da qual pouco ou nada sabia. Receoso de frequentar a disciplina de desenho porque nunca antes, na minha vida, tinha tido a necessidade de desenhar. Na realidade o desenho nunca foi algo que me tenha verdadeiramente interessado, principalmente pela desmotivação que me provocava o olhar para um desenho feito por mim. Falta-me o talento.
A primeira aula tinha começado, estava nervoso, não sabia o que ia acontecer até que me foi pedido o desenho de uma caneca. Nem sabia por onde começar. Olhei em redor e verifiquei que já todos os meus colegas tinham iniciado o seu desenho, com enormes sorrisos de satisfação no rosto, demonstrando a sua experiência com traçados rápidos, muito confiantes do que estavam a fazer. E ali estava eu, ainda com a folha em branco, a olhar para uma caneca que olhava para mim à espera que eu a desenhasse, com um lápis na mão, como se fosse um objecto de decoração, quieto, impávido e sereno, sem me mexer.
Até que decidi arrancar. Agarrei com firmeza no lápis e fiz os contornos desta que foi a primeira caneca que quis ser desenhada por mim. Não foi fácil. Desenhei e apaguei várias vezes cada traço até conseguir algo que, para o meu nível inicial, considerei que estava ‘fixe’.
Olhei em redor e verifiquei que os meus colegas já aplicavam sombras sobre os desenhos deles.
Fiquei assustado. O que era isto de pôr sombras no desenho. Nunca na minha vida tinha feito isso. Por onde começar? O que fazer?
Tentei captar o que eles faziam sem que eles dessem por isso. E, sozinho, tentei desenrascar umas sombras na minha caneca.
Fiz tudo sozinho pois a minha timidez impediu-me de pedir ajuda. Ainda por cima estava numa turma de desconhecidos, porque eu vinha da escola de Lagoa e os meus colegas eram todos de Portimão. Sentia-me vulnerável, completamente só, apenas a caneca estava comigo.
Quando dei por mim a aula tinha terminado. Olhei para a minha caneca e nem sei bem o que se passou pela minha cabeça naquele momento.
Achei que a caneca não estava nada bem desenhada, principalmente ao compará-la com os desenhos dos meus colegas. Sentia-me envergonhado por estar num curso de artes e desenhar daquela maneira. Mas, por outro lado, também não desgostei totalmente da caneca, porque achei que, para uma pessoa para quem o acto de desenhar era uma novidade, não estava assim tão mal, pois via-se que era uma caneca. Era o meu primeiro desenho e, no final da aula, fiquei orgulhoso de mim.
Mas nem por isso deixei de pensar por que carga de água é que eu me vim meter numa turma de artes. Naquela altura o gosto pela arquitectura falou mais alto e, de todas as opções de cursos que tinha, por exclusão de partes, pareceu-me ser a menos teórica e então arrisquei.
E, naquele momento, era aquela caneca, finalizada e a olhar para mim, que me esclarecia sobre aquilo que eu tinha arriscado.
Mas, foi também aquela caneca, que me abriu a porta e me mostrou o mundo do desenho que por aí anda. Foi aquela caneca que me iniciou e que, desde então, nunca mais me deixou parar de desenhar. Foi ela que me fez nascer como artista, e que hoje em dia me vê crescer. É a ela que eu devo toda a minha evolução, todo o meu crescimento, todo o meu desenho, todo o meu ‘eu’.

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